Seminário debate crise na UE e ofensiva antipopular

A Europa dos povos só pode nascer sobre os escombros<br> da União Europeia

Carlos Nabais
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Inês Seixas
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O PCP e Grupo Con­fe­deral da Es­querda Uni­tária Eu­ro­peia/​Es­querda Nór­dica Verde pro­mo­veram, dia 28, em Lisboa, um se­mi­nário su­bor­di­nado ao tema «A crise na União Eu­ro­peia e a ofen­siva contra os di­reitos, a li­ber­dade e a de­mo­cracia».

A crise ameaça di­reitos, li­ber­dade e de­mo­cracia

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Du­rante os tra­ba­lhos, di­ri­gidos por José Neto, membro do CC, e abertos por Inês Zuber, de­pu­tada do PCP ao Par­la­mento Eu­ropeu, foram feitas duas de­zenas de in­ter­ven­ções que tra­taram di­fe­rentes as­pectos da ofen­siva do grande ca­pital contra a so­be­rania na­ci­onal, os di­reitos so­ciais e la­bo­rais, a li­ber­dade e a de­mo­cracia, em si­mul­tâneo com o re­forço dos apa­re­lhos re­pres­sivos e a es­ca­lada da mi­li­ta­ri­zação e do be­li­cismo.

No con­texto da pro­funda crise do ca­pi­ta­lismo, Inês Zuber alertou para «os pe­rigos do apro­fun­da­mento do fe­de­ra­lismo pa­tentes na ideia lan­çada re­cen­te­mente pela Co­missão Eu­ro­peia da cri­ação de uma Fe­de­ração de es­tados, que cons­titui um salto qua­li­ta­tivo sem pre­ce­dentes na im­po­sição su­pra­na­ci­onal das po­lí­ticas e ori­en­ta­ções».

De­nun­ci­ando as con­sequên­cias ne­fastas da in­te­gração ca­pi­ta­lista, a de­pu­tada con­si­derou que «uma Eu­ropa que sirva os in­te­resses dos povos e dos tra­ba­lha­dores só será pos­sível de cons­truir sobre as ruínas desta União Eu­ro­peia».

Como de se­guida sa­li­entou o de­pu­tado es­pa­nhol da Es­querda Unida, Wily Meyer, a ac­tual crise que se abate vi­o­len­ta­mente sobre os povos da Eu­ropa não re­sulta de ne­nhuma ca­la­mi­dade na­tural, mas sim de uma es­tra­tégia de­li­neada pelo grande ca­pital há mais de duas dé­cadas, como vista a manter e re­cu­perar os super lu­cros.

Na opi­nião de Meyer, a origem desta es­tra­tégia re­monta a 1989, quando foi for­mu­lado o cha­mado «con­senso de Washington», que se tornou po­lí­tica ofi­cial do FMI e co­meçou a ser apli­cado na UE com o tra­tado de Ma­as­tricht (1992). A par da re­dução dos gastos pú­blicos e da vaga de pri­va­ti­za­ções, a re­ceita «ne­o­li­beral» tra­duziu-se igual­mente na des­re­gu­la­men­tação la­boral e na cres­cente pressão sobre os sa­lá­rios. «Com esta po­lí­tica era de es­perar esta crise».

Um plano de­vas­tador

E à me­dida que a crise se agrava e se torna mais com­plexa, a ofen­siva anti-so­cial ten­derá a in­ten­si­ficar-se, com vista a di­mi­nuir cada vez mais os custos la­bo­rais, não só nos países do Sul da Eu­ropa, a braços com a cha­mada crise da dí­vida, mas em todos os es­tados-mem­bros, in­cluindo aqueles que não estão sobre-en­di­vi­dados.

Esta aná­lise, apre­sen­tada no se­mi­nário por Evan­gelos Kat­si­avas, em re­pre­sen­tação do Par­tido Co­mu­nista da Grécia, foi am­pla­mente con­fir­mada por Mi­kael Gus­tafsson, de­pu­tado do Par­tido da Es­querda da Suécia, e pela alemã Sa­bine Lo­sing, de­pu­tada do Die Linke (A Es­querda), que não par­ti­cipou nos tra­ba­lhos por mo­tivo de do­ença, mas cuja in­ter­venção foi lida na sessão.

Kat­si­avas fez ainda questão de ca­rac­te­rizar a ac­tual crise como «uma crise do sis­tema ca­pi­ta­lista, uma crise de so­bre­pro­dução e de sobre-acu­mu­lação de ca­pital, que não en­contra uma saída ren­tável nos mer­cados». «A dí­vida dos es­tados não é a causa, mas o re­sul­tado da po­lí­tica an­ti­po­pular da plu­to­cracia».

Lem­brando que na Grécia está em pre­pa­ração mais um pa­cote de cortes so­ciais, o quarto no es­paço de dois anos, Kat­si­avas con­si­derou que o ver­da­deiro ob­jec­tivo destas po­lí­ticas não é di­mi­nuir o dé­fice ou a dí­vida, mas criar con­di­ções ao grande ca­pital para com­petir com os EUA e so­bre­tudo com as po­tên­cias emer­gentes como a China e Índia, entre ou­tros, onde os custos da força de tra­balho são muito mais ba­ratos.

Uma re­dução tão abrupta do poder de compra das massas teria efeitos ar­ra­sa­dores nas forças pro­du­tivas dos di­fe­rentes países eu­ro­peus, só com­pa­rá­veis aos de uma guerra.

No nosso País, uma das con­sequên­cias da re­cessão e do de­sem­prego mas­sivo tem sido o au­mento ex­po­nen­cial da emi­gração, que nos re­porta ao nível da dé­cada de 60, se­gundo afirmou Rosa Ra­biais, membro do CC do PCP. «Os nú­meros ofi­ciais (longe da re­a­li­dade) apontam para um au­mento de mais de 300 mil emi­grantes, entre 2008 e 2010, es­ti­mando-se que em 2011 te­nham saído entre 100 e 120 mil por­tu­gueses, prin­ci­pal­mente para a França, Brasil, Reino Unido, Suíça e An­gola».

En­tre­tanto, é cada vez mais evi­dente que os pro­gramas de «aus­te­ri­dade», em vez de cor­rigir, agravam os de­se­qui­lí­brios das contas pú­blicas. Como as­si­nalou Ho­nório Novo, de­pu­tado do PCP na AR, o dé­fice or­ça­mental para este ano «pode afinal vir a ser su­pe­rior a seis por cento (em vez dos 4,5% anun­ci­ados) e a tra­jec­tória da dí­vida pode ul­tra­passar os 120 por cento do PIB».

Neste caso, Por­tugal não é ex­cepção: «Os re­sul­tados or­ça­men­tais destes pro­gramas de in­ge­rência, cen­trados em fac­tores re­ces­sivos, são idên­ticos e igual­mente de­sas­trosos em todos os países», afirmou Ho­nório Novo, con­cluindo que «ob­jec­tivos cen­trais do me­mo­rando da troika não são, por­tanto, a mera ob­tenção do equi­lí­brio das contas», mas visam «li­mitar e des­truir di­reitos la­bo­rais e so­ciais con­quis­tados de­pois do 25 de Abril de 1974, fa­zendo em muitos casos tábua rasa de prin­cí­pios in­te­grados na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica».

De resto, como antes tinha re­fe­rido João Fer­reira, de­pu­tado do PCP no PE, a adesão de Por­tugal à CEE deu «alento ao pro­cesso contra-re­vo­lu­ci­o­nário, então já em pleno curso. As classes do­mi­nantes, in­con­for­madas com as par­celas de poder per­didas com o 25 de Abril, viram aqui uma opor­tu­ni­dade de ouro para sa­tis­fazer as suas am­bi­ções, amar­rando o País a um tipo de de­sen­vol­vi­mento ca­pi­ta­lista». As su­ces­sivas re­vi­sões da Cons­ti­tuição, ali lem­bradas pelo de­pu­tado, foram todas nesse sen­tido.

Para o Juiz con­se­lheiro ju­bi­lado, Gui­lherme da Fon­seca, «pode afirmar-se que da CRP ori­gi­nária de 1976, na plena eu­foria da Re­vo­lução de 1974, até à CRP da ac­tu­a­li­dade, de­pois de so­frer sete re­vi­sões, há um arco de, pelo menos, 180 graus».

Ofen­siva geral

Exem­plos con­cretos de ata­ques aos di­reitos la­bo­rais e à pró­pria so­be­rania do País foram re­fe­ridos no se­mi­nário por Carlos Car­valho, membro do sector dos Trans­portes da DORL, que abordou os pro­cessos de pri­va­ti­zação, es­pe­ci­fi­ca­mente, no sector aéreo e no sector ma­rí­timo-por­tuário.

Ainda no campo dos di­reitos la­bo­rais, Jo­a­quim Di­o­nísio, di­ri­gente da CGTP-IN, re­cordou que, já nos anos 80, surgiu a ideia, de­pois pau­la­ti­na­mente con­cre­ti­zada, de que «em si­tu­ação de crise o di­reito do tra­balho de­veria ceder para dar lugar a um di­reito de ex­cepção».

A in­ves­tida contra o Poder Local é outro vector da ofen­siva anti-so­cial. A este pro­pó­sito, João Al­meida, membro do Grupo de Tra­balho da Ad­mi­nis­tração Local do PCP, sa­li­entou que «o cerco sis­te­má­tico» às au­tar­quias «pre­tende forçá-las a ab­dicar da na­tu­reza pú­blica dos ser­viços com valor eco­nó­mico».

No do­mínio da Jus­tiça, é elu­ci­da­tiva a sín­tese ali feita por João Oli­veira, de­pu­tado do PCP na AR: «A pe­quena cri­mi­na­li­dade é alvo de grande atenção e fre­quentes al­te­ra­ções le­gis­la­tivas no sen­tido de ga­rantir maior re­pressão penal. Ao invés, a cor­rupção, a cri­mi­na­li­dade grave e or­ga­ni­zada ou o crime eco­nó­mico-fi­nan­ceiro têm ga­ran­tida a quase total im­pu­ni­dade».

No­tando que a ampla ofen­siva do ca­pital atinge hoje ca­madas que ser­viam e servem de «es­teio ao do­mínio das classes pos­si­dentes», Carlos Nelson Amador, membro da di­recção do Sector In­te­lec­tual do Porto, con­si­derou que «é mais real que nunca a pos­si­bi­li­dade de con­ci­liar as as­pi­ra­ções de di­fe­rentes ca­madas num pro­grama que ofe­reça a cada um a pers­pec­tiva de um fu­turo cons­truído na base do res­peito pelo tra­balho, da ga­rantia das con­di­ções de vida das po­pu­la­ções, da de­mo­cracia po­lí­tica, eco­nó­mica e cul­tural».

Re­pressão e mi­li­ta­ri­zação

A par da brutal ofen­siva so­cial, acen­tuam-se as po­lí­ticas de cariz se­cu­ri­tário, que põem em causa di­reitos e li­ber­dades. Se­gundo Fran­cisco Pe­reira, membro do CC, em Por­tugal, esta ori­en­tação tem-se tra­du­zido, no­me­a­da­mente, «na con­cen­tração de efec­tivos e equi­pa­mentos, na for­mação em ac­tu­a­ções de in­ti­mi­dação e re­pressão contra tra­ba­lha­dores e ci­da­dãos no exer­cício de le­gí­timos di­reitos de re­sistir e lutar». Estas po­lí­ticas, acres­centou, visam «im­pedir a ex­pressão do pro­testo e in­dig­nação das massas».

Por sua vez, Odete Santos chamou a atenção para as ten­ta­tivas de co­arctar a li­ber­dade de ex­pressão, re­fe­rindo «desde re­gu­la­mentos ar­bi­trá­rios e in­cons­ti­tu­ci­o­nais das câ­maras mu­ni­ci­pais, que pre­ten­diam dis­ci­plinar a pro­pa­ganda par­ti­dária le­vando-a pela ar­reata, até às pri­sões de jo­vens co­mu­nistas le­vados a tri­bunal por fa­zerem pin­turas mu­rais».

Já Do­mingos Abrantes, membro do CC, alertou para os reais ob­jec­tivos do Pro­grama de Es­to­colmo, que visam criar «um vasto e so­fis­ti­cado apa­relho de ca­rácter re­pres­sivo para ac­tuar no âm­bito de cada país e no plano in­ter­na­ci­onal», no qual os ser­viços de in­for­ma­ções ocupam um lugar cen­tral, as­su­mindo pro­gres­si­va­mente fun­ções de po­lícia po­lí­tica.

Se­gundo re­feriu, a função real dos ser­viços de in­for­ma­ções da Re­pú­blica Por­tu­guesa «é a de cada vez mais as­sumir o papel de po­lícia po­lí­tica na fi­chagem de ac­ti­vistas sin­di­cais e par­ti­dá­rios de­mo­crá­ticos, se en­volver em ac­ções ile­gais de pro­vo­cação e es­pi­o­nagem a forças so­ciais e po­lí­ticas que re­sistam à po­lí­tica de di­reita».

Ao mesmo tempo, como re­feriu An­tónio Fi­lipe, de­pu­tado do PCP na AR, a cres­cente mi­li­ta­ri­zação da UE levou a trans­for­ma­ções pro­fundas das Forças Ar­madas Por­tu­guesas que «dei­xaram de ser en­ten­didas como um ins­tru­mento para a de­fesa do ter­ri­tório na­ci­onal, da sua in­te­gri­dade e da sua in­de­pen­dência, para se tor­narem em mero ins­tru­mento de po­lí­tica ex­terna ao ser­viço dos de­síg­nios mi­li­ta­ristas da NATO e dos ob­jec­tivos de mi­li­ta­ri­zação da União Eu­ro­peia»

Assim, entre ou­tros exem­plos que deu, «a Ma­rinha Por­tu­guesa não tem na­vios para pa­tru­lhar a nossa ex­tensa costa, mas tem fra­gatas para par­ti­cipar nas mis­sões da NATO. Faltam em Por­tugal meios aé­reos de com­bate aos in­cên­dios flo­res­tais, mas há duas frotas de caças F-16».

Rui Fer­nandes, membro da Co­missão Po­lí­tica do PCP, (ver in­ter­venção na ín­tegra em www.pcp.pt), en­cerrou o de­bate com uma ci­tação de Álvaro Cu­nhal: «Somos um Par­tido que confia no ser hu­mano e na ca­pa­ci­dade do homem não apenas para trans­formar a na­tu­reza mas para trans­formar a vida so­cial. (…) Man­tendo essa li­gação cons­tante, firme, ina­ba­lável com a classe ope­rária e as massas po­pu­lares, po­derá haver tem­pes­tades que nos abalem, mas não ha­verá tem­pes­tades que nos des­truam.»



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